O professor na Educação Infantil: muito além da fralda e do banho

 
Pergunta: Por que tantas pessoas ainda consideram a Educação Infantil como menos importante do que outras fases do ensino?
Cisele Ortiz: Há muitas razões, entre elas a falta de conhecimento em relação às características da criança nessa fase do desenvolvimento. De acordo com o senso comum esse é um momento que só necessita de cuidado, em que basta olhar, em que as crianças não entendem e não participam. A ideia de que é nos três primeiros anos que elas constroem os alicerces de sua vida social, afetiva e cognitiva ainda não é disseminada. Ou seja, existe um descaso em relação às potencialidades da criança.
 
P: O debate que temos hoje no Brasil e que orienta a formulação de políticas públicas, assim como as práticas nas escolas e creches é qualificado?
R: O debate é avançado só para quem é da área, ainda está muito restrito aos especialistas. Não vejo ele atingindo as famílias ou sendo disseminado em termos sociais. Acho que essa questão precisa ser comunicada de uma forma melhor para que as pessoas saibam qual a importância da Educação Infantil e como ela precisa ser gerida.
 
P: E como fazer isso?
R: Primeiro, é preciso valorizar e tornar público as boas práticas nas escolas, especialmente na rede pública. Isso possibilita gerar uma ideia diferente do que é a Educação Infantil. As escolas e creches aparecem na mídia muito relacionadas a denúncias ou acidentes, mas nunca vemos os benefícios que trazem quando são de qualidade.  Existe um documento que dá boas pistas de qual contexto de Educação Infantil promove desenvolvimento e aprendizagem. Outra questão é trabalhar para que os conhecimentos acadêmicos nessa área sejam traduzidos de forma mais didática para a sociedade. Compreendendo essas informações de forma clara, é mais fácil se pensar sobre a importância do desenvolvimento integral da criança nesta faixa etária.
 
P: Qual o papel da família no debate sobre a Educação Infantil?
R: É fundamental, pois a escola não recebe apenas a criança. É diferente do gerenciamento da informação no Ensino Fundamental, por exemplo. Nessa fase as famílias ainda estão muito inseridas na relação com a escola, portanto, é essencial fortalecer o vínculo, não apenas para que elas entendam a proposta pedagógica, mas para que participem da adaptação, dos cuidados básicos. A escola precisa construir uma relação próxima com a família de apoio e acolhida, valorizar seus saberes e assim elaborar uma proposta pedagógica que amplie esses saberes, mostre a diversidade presente na comunidade e o quanto ela pode ser enriquecedora. Além disso, compreender quais elementos culturais podem ser ampliados. As famílias precisam estar presentes dentro do projeto pedagógico, não podem ser vistas só como usuárias.
 
 
P: O que é fundamental se ter em mente ao abordar essa discussão sobre o aprimoramento da Educação Infantil?
R:  Acho que é fundamental que o profissional da Educação Infantil compreenda que ele está atuando dentro de uma faixa etária, em que criança está inteiramente aberta. Este é um momento que propicia a construção subjetiva e a constituição de si mesmo. E é por meio do outro que aprendemos sobre nós mesmos. É preciso se pensar, portanto, como aliar as estratégias de cuidado individual, levando em conta as peculiaridades de cada criança, com os cuidados coletivos. Atualmente, as brincadeiras e interações são eixos das diretrizes curriculares, norteando a proposta pedagógica das escolas. Dentro dessas interações, estão os cuidados físicos como suporte. Precisamos avançar muito neste quesito, começando pela formação inicial nas faculdades que formam os professores para a Educação Infantil. É preciso ter clareza de que corpo e mente não estão separados: se ajo num campo, afeto o outro. Saúde e educação fazem parte do conceito da Educação Infantil, e os cuidados humanos fazem a costura.
“Se um professor não acha que é seu papel trocar fraldas ou ensinar a criança a usar o banheiro e se limpar, ele está na profissão errada”
 

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