O desafio da mudança e a construção de um novo fazer pedagógico

Por Evelyn Aline Oliveira
 
Toda e qualquer mudança gera um desconforto em nós pela instabilidade ocasionada. Não é fácil abandonar práticas já internalizadas para tentar o novo e, principalmente, mudar em nós alguns conceitos tão fortemente construídos durante a graduação e vivência escolar. E é um pouco sobre isso que eu vou contar.
Minha história na Materna começa em 2015, logo após o término do Mestrado em Educação, na Universidade Católica Dom Bosco. Durante a graduação em Pedagogia o sonho em ser professora de Educação Infantil já estava guardado em mim juntamente com outros anseios profissionais. Buscava uma instituição que respeitasse a criança no seu todo e que não a visse como um ser inacabado, mas sim, um ser completo, com sentimentos, emoções e potencialidades, que entendesse a infância como uma fase única e extremamente importante para o desenvolvimento psíquico e biológico. A Materna correspondia todas as minhas expectativas nesses aspectos.
O trabalho com os bebês começou efetivamente em março de 2015. Havia preocupação em respeitar o tempo de cada criança, mas os estímulos eram constantes. Usávamos almofada para estimular o sentar, barras no espelho para o andar e muitas texturas no cadeirão para serem experimentadas pelos bebês. Algumas atividades causavam um desconforto em nós, porque era visível o desconforto nas crianças, principalmente com texturas mais molhadas. No momento de lanche, almoço e jantar, os bebês que já conseguiam sentar eram colocados em cadeirões e os que ainda não conseguiam ficar sentados em bebês-conforto. Os recipientes utilizados eram de plástico coloridos e impossibilitavam a visualização dos alimentos pelos bebês. De maneira geral, as crianças eram atendidas com muito cuidado e carinho, o diferencial da Materna estava exatamente nesse cuidado, mas vimos que poderíamos melhorar.
Nossa prática começou a ser repensada em 2016, durante formações com a Ana Paula Yazbek, do Espaço da Vila. Durante o curso, começamos a mudar nossos planejamentos para contemplar cada criança como autora e participante ativa. As propostas ficaram mais leves e possibilitaram o movimento corporal e a criatividade com mais liberdade. No mesmo ano, nos aproximamos dos estudos e experiências de Emmi Pikler, uma pediatra que atuou em Budapeste, em uma instituição de acolhida a crianças órfãs e abandonadas.
Em 2017, tivemos a oportunidade de conhecer a abordagem Pikler. Com formação semestral, iniciamos os estudos com o Dr. Roger Hansen e conhecemos uma pedagogia totalmente diferente de tudo que havíamos estudado. A abordagem consiste em um tripé composto pelo movimento livre, autonomia e cuidados (troca e banho). Nesses movimentos, a professora mantém o olhar conectado ao bebê e conversa com ele sobre tudo o que está acontecendo. O estabelecimento desse vínculo é fundamental para assegurar o bem-estar no ambiente e permitir que o movimento livre aconteça da maneira mais prazerosa possível, sem choros, sem estímulos forçados, sem pressa.
Depois que mudamos a nossa prática, nossa rotina ficou muito mais tranquila e os bebês se sentiram seguros quando estavam conosco. As adaptações, alimentação, sono, brincadeiras e atividades tiveram mudanças positivas. A calmaria tomou conta da nossa prática e o brilho nos olhos estava espalhado pela escola.
No início a mudança não foi fácil, tivemos que interiorizar e compreender a abordagem. A transformação teve que começar dentro de cada uma das professoras. Tivemos que nos acalmar e compreender que as próprias crianças nos responderiam sobre o que deveria ser feito. Aprendemos a ouvir, observar e dialogar, enxergando cada momento como uma oportunidade única no desenvolvimento. No berçário, cada movimento, desde o rolar até o andar, era comemorado de maneira ímpar. Aprendemos a ver cada bebê no seu todo, respeitar o tempo de cada um, criar vínculos e transbordar afeto diariamente. 
Estamos caminhando nos estudos e na reflexão da nossa prática diariamente. Pensamos mais no que fazemos e no que proporcionamos aos bebês, tentando dialogar com os olhares e balbucios. É um exercício diário que mantém nossa prática fundamentada no vínculo, no afeto, no respeito ao desenvolvimento individual e no olhar atento para observar. As mudanças estão sendo refletidas de maneira positiva no nosso cotidiano, os bebês estão mais calmos e livres para se tornarem autônomos e confiantes. 
Como professora, acredito que a abordagem envolve muito mais do que meras técnicas de cuidados, ela ensina para a vida. Devemos enxergar o outro com olhares atentos todos os dias, devemos atender as pessoas com cordialidade e respeito, saber dialogar e resolver situações com autonomia diariamente. O afeto é necessário em todas as relações e o vínculo é o primeiro passo para nos sentirmos seguros.
 
 
 

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